domingo, 21 de outubro de 2012

ENTREVISTA COM MILENE FERRAZZA JEFFIRS SOBRE BULLYING

Milene, na sua palestra no Innove, você comentou que um dos maiores erros cometidos pelas escolas é tentar resolver o problema do bullying isoladamente, chamando apenas os envolvidos diretamente no episódio para conversar. Você finalizou a frase dizendo que "o que acontece no grupo, deve ser resolvido no grupo". Como isso pode ser feito pelas escolas?

É possível motivar para mudanças quando existe a sensibilização do grupo e isso é possível quando existe a oportunidade para a aproximação, para se conhecer o outro. Quando existeaproximação, podemos entender o outro e é possível haver compaixão. A compaixão o sentimento capaz de motivar para transformações. É o que nos permite olhar o outro de forma diferente. As escolas e universidades brasileiras têm uma vantagem enorme de poder ter todos estes jovens juntos todos os dias - esta é uma oportunidade incrível para se promover o crescimento do grupo em si e de cada indivíduo. A prática do bullying é um comportamento que traz consequências muito negativas para todos os envolvidos - administradores, educadores, pedagogos, pais, alunos - por isso a solução também deve envolver todo mundo. As escolas precisam começar a encontrar um espaço para o diálogo aberto e franco entre seus alunos e administradores. Em seis horas, com as oficinas do meu programa, por exemplo, é possível transformar o ambiente escolar. Professores podem usar 15 min da hora de sua aula para permitir que seus alunos se conheçam melhor através de atividades simples e prazerosas que promovem a união da sala e a inclusão de todos. 

Recentemente, uma criança me disse: "tia, os meninos estão fazendo 'bulei' em mim". Eu perguntei o que era fazer "bulei" e ela me respondeu, com bastante convicção: "tirar sarro, ué". Isso me fez pensar o quanto o conceito de bullying está banalizado e distorcido. Qualquer episódio de sarro ou até mesmo brincadeira já é considerado sinônimo de bullying. Qual é a definição real do conceito bullying e qual o perigo dessa banalização?

A prática do bullying é definida como ataques ou ações repetitivas e agressivas contra um indivíduo ou um grupo, que têm o objetivo de intimidar, amedrontar, humilhar o outro. Os comportamentos característicos desta prática são vários: colocar apelidos maldosos, tirar sarro, espalhar boatos e fofocas, extorquir, formação de gangues, excluir o outro, violência física, entre outros. Existe uma grande diferença entre brincar e tirar sarro. Brincar é saudável e necessário para a convivência entre todos nós seres humanos. Quando o brincar tem o objetivo de denegrir a imagem de alguém ou colocar a pessoa em uma situação em
que ela se sinta humilhada, o comportamento passa a ser inaceitável. A melhor forma de não se banalizar a prática do bullying é através da informação. Pais e filhos precisam entender o que é a prática do bullying e conversar a respeito das suas consequências. E ao mesmo tempo, pais precisam ensinar seus filhos a fazerem amigos, a fazerem o bem aos outros, a ajudarem os colegas, a terem atitudes positivas em relação aos grupos aos quais pertencem. 

Como os pais e professores podem identificar sinais em crianças que estão sofrendo bullying? Quais as mudanças mais comuns no comportamento das vítimas de bullying? 

Normalmente os sinais são muito claros: crianças que estão se sentindo intimidadas, excluídas, abusadas na escola se mostram apáticas, tristes, não querem sair de casa, choram, passam a se alimentar mais ou menos, se isolam, começam a ter um rendimento escolar baixo, ficam agressivas. Em muitos casos, o quadro evolui para a depressão e em casos extremos para o suicídio.

Na sua experiência de atuação no combate e prevenção ao bullying no Brasil e nos EUA, quais as principais diferenças que você encontrou entre os dois países? 

A prática do bullying tem a mesma motivação no mundo inteiro. A prática do bullying não tem preferência por idade, raça, cor, religião, nacionalidade. Nos EUA fica muito claro que por causa da forma como o sistema educacional é organizado, os jovens têm uma dificuldade muito maior de se sentirem aceitos em seus grupos. Nas escolas americanas, existem inúmeros "grupinhos" ou "panelinhas" que já estão pré-concebidos mesmo antes do jovem entrar na escola. Para entrar em uma destas panelinhas é extremamente difícil. Muitos jovens nunca conseguem. O sentimento de desolação e frustração é enorme e devastador. Outro fator predominante aqui é que em muitas cidades americanas pequenas, os jovens são pouco expostos a diversidade de culturas. Na cidade onde eu moro, por exemplo, não existem negros. Esta falta de exposição aquilo que é diferente dificulta a aquisição de habilidades sociais necessárias para uma convivência pacífica. No Brasil existem as panelinhas e o jogo do poder também. Porém, sinto que, devido a nossa cultura mais aberta à diversidade, ao fato de sermos expostos a uma variedade de diferentes raças e cores em todos os cantos no nosso país, somos mais aptos a aceitar diferenças. Nós nascemos e aprendemos a dividir nosso espaço em meio aos mais diversos cenários humanos. Não, sei, talvez seja só mais um sonho ou uma esperança. Mas, acredito que no Brasil nossos jovens têm habilidades sociais natas para quebrarem barreiras e lidar com o diferente. Precisamos apenas oportunizar estes momentos, dar a chance aos nossos jovens de se sentirem ouvidos. Não podemos desistir nunca dos nossos sonhos. Não importa onde estejamos. Sempre é tempo de se fazer o bem!



FONTE: INSTITUTO INNOVE - Análise do Comportamento e Saúde

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