quarta-feira, 31 de outubro de 2012

GENÉTICA DA ESQUIZOFRENIA


Nas últimas décadas, devido a uma grande variedade de métodos laboratoriais e analíticos, a investigação genética deu um grande salto com enfoque sobre fatores moleculares, denominando-se, então, genética molecular. Entre as mais variadas áreas do desenvolvimento humano, houve um grande interesse da comunidade científica internacional nos estudos genéticos e moleculares da esquizofrenia.

Há suficientes evidências da presença de um componente genético familiar substancial na origem da esquizofrenia. Essas evidências provêm de um grande número de estudos familiares, em irmãos gêmeos, não gêmeos e adotados, realizados em diversas populações.
Os estudos familiares não fornecem uma avaliação direta e localizada do componente genético, mas sim uma ideia do caráter familiar para a doença. Esse caráter familiar da esquizofrenia poderia ser ocasionado por diversos fatores, entre os quais os fatores hereditários.

Normalmente esses estudos familiares avaliam a prevalência da doença nos parentes de uma pessoa afetada e a comparam com a prevalência da doença num outro grupo de população chamado de grupo controle. Em geral esse grupo controle é representado por parentes normais ou, mais frequentemente, pelos índices de prevalência da população geral.

Apesar de um grande número de estudos familiares de esquizofrenia já ter sido realizado até a década de 80, os estudos mais recentes são, geralmente, considerados de maior validade. Essa maior confiabilidade deve-se ao uso de instrumentos diagnósticos mais bem estruturados aliados ao uso de grupos controles mais adequados.

As investigações genéticas se têm concentrado nos fatores relacionados com a consanguinidade, a adoção e gestação de gêmeos monozigóticos. Os estudos sobre consanguinidade comparam a incidência de esquizofrenia em parentes que tenham um índice de casos com a de famílias de controle. A consanguinidade procura correlacionar a incidência superior de esquizofrenia. Isolaram-se as duas variáveis de ambiente genético e cultural mediante o estudo de crianças que haviam sido adotadas pouco depois do nascimento e que posteriormente desenvolveram esquizofrenia.

Estes estudos confirmaram a existência de um componente genético na predisposição à esquizofrenia. Dos membros biológicos das famílias de crianças esquizofrênicas, 9% eram esquizofrênicos também, mas só 2% dos membros das famílias biológicas das crianças adotadas não esquizofrênicas; a incidência de esquizofrenia em famílias de adoção destes dos grupos de crianças era a mesma, por exemplo, 2% e 2% respectivamente (Kety e colaboradores). É mais importante que um dos progenitores seja esquizofrênico, do que se este for o pai ou a mãe.

Análises independentes de estes dados utilizando os critérios do DSM-IV, tem confirmado os achados originais, sugerindo que a expressão genética pode representar uma "espreita de esquizofrenia" que existe nos transtornos de personalidade esquizóide, esquizotípica e paranóide. Mas os estudos sugerem ainda que, mesmo considerando o fator genético na predisposição à esquizofrenia, isso por si não é suficiente para garantir o desenvolvimento do transtorno.

Estudos sobre desenvolvimento posterior à concepção, adoção e diferentes resultados de vida entre irmãos geneticamente idênticos têm permitido uma separação dos efeitos do ambiente biopsicossocial na apresentação da doença. Somente 20% dos esquizofrênicos tem um parente de primeiro grau com a doença declarada. Para outros, parecem existir varias combinações de "fatores de risco", incluindo os seguintes: consanguinidade com aqueles que tenham outros transtornos psiquiátricos importantes; estressores identificáveis no período perinatal e durante o desenvolvimento precoce; transtornos premórbidos da personalidade de natureza esquizóide, paranóide ou esquizotípico e anormalidades específicas na anatomia, bioquímica e fisiologia cerebral.

Os efeitos totais dos fatores de risco definem a vulnerabilidade do individuo. Os estressores que ocorrem antes do diagnóstico da doença, incluem desde acontecimentos claramente traumáticos, como por exemplo a morte de um dos pais, até as exigências normais do desenvolvimento adulto.

O modelo de esquizofrenia de vulnerabilidade ao estresse aceita a ideia de que existe uma vulnerabilidade à esquizofrenia que se encontra presente geneticamente, que tem um efeito patológico no desenvolvimento ao longo da adolescência e que se expressa como uma doença declarada na idade aproximada de vinte anos.

Dentre os estudos familiares mais recentes, em média, parentes de primeiro grau de esquizofrênicos têm um risco 10 vezes maior do que pessoas da população geral de serem diagnosticados com esquizofrenia. Esse risco, entretanto, não é uma medida direta do componente genético da esquizofrenia, já que os genes são um enlace dos diversos fatores transmitidos e que se traduzem em agregação familiar do caráter.

Dentre os vários estudos familiares conduzidos em esquizofrenia, merece especial destaque o estudo realizado no cantão Roscommon na lrlanda por Kendler em 1993. Esse estudo avaliou as famílias de todos os indivíduos com diagnóstico de esquizofrenia registrados nesse cantão (285), os controles populacionais normais apropriados (150), além de indivíduos com transtorno afetivo (99). Uma série de avaliações e estudos diagnósticos foi e continua a ser realizados nessas famílias.

A Tabela 1 mostra valores de vários autores obtidos nesse estudo, assim como em uma seleção de outros estudos familiares conduzidos em esquizofrenia nos últimos 30 anos. 

Tabela 1 -Seleção de estudos familiares realizados em pacientes com esquizofrenia. Os casos e controles são os parentes de primeiro grau de pacientes com esquizofrenia e de indivíduos normais, respectivamente*
Estudo
Ano
Critério  Diag.
Casos
Controles





NE
NT
RR
NE
NT
RR


Tsuang et al.
1980
RDC
20
362
0,055
3
475
0,006
9,17

Baron et al.
1985
DSM.III
19
329
0,058
2
337
0,006
9,67

Frangos et al.
1985
DSM.III
26
478
0,054
6
536
0,011
4,91

Coryell e Zimmerman
1988
RDC
1
72
0,014
0
160
-
-

Getshon et al.
1988
RDC
3
97
0,031
2
349
0,006
5,17

Maier et al.
1990
RDC
23
463
0,050
1
294
0,003
16,67

Kendler et al.
1993
DSM.III-R
18
276
0,065
2
428
0,005
13,00

Varma et a1.
1997
DSM.III-R
90
530
0,170
2
1137
0,002
85,00

* Tabela copiada do livro “O Desafio da Esquizofrenia” de Itiro Shirakawa, Ana Cristina Chaves e Jair J. Mari

NE - número de indivíduos diagnosticados com esquizofrenia; NT - número total de familiares avaliados; RR - risco de recorrência nos parentes de primeiro grau.

Também foi realizado um grande número de estudos em gêmeos, tentando avaliar a participação do componente genético na causa da esquizofrenia. Os resultados deixam claro não haver um consenso entre os deferentes estudos, no entanto, de um modo geral, todos eles sugerem uma substancial contribuição da genética na causa da esquizofrenia. Os padrões e as características da concordância observada em gêmeos monozigóticos comparados com a concordância em gêmeos dizigóticos esquizofrênicos (bem menor), traduzem uma etiologia genética complexa.

Tal como os estudos em gêmeos, os estudos de adoção de gêmeos também avaliam a participação dos componentes genéticos e ambientais na causa da esquizofrenia (Weiss, 1995). Relacionam, esses estudos, os fatores de indivíduos geneticamente relacionados por serem gêmeos, porém, expostos a um meio ambiente diferente por terem sido adotados por famílias diferentes. De modo complementar, têm estudos de indivíduos geneticamente não ­relacionados mas expostos a um meio ambiente semelhante.


Estudos Genéticos
Muito usados em genética do comportamento, os estudos clássicos em gêmeos comparam o fenótipo entre Gêmeos Monozigóticos e Gêmeos Dizigóticos. Gêmeos Monozigóticos originam-se de um único ovo, portanto, apresentam genoma idêntico, enquanto Gêmeos Dizigóticos originam-se a partir de diferentes ovos, portanto, do ponto de vista genético, seriam como irmãos normais não gêmeos e, como tal, apresentam, em média, apenas 50% do genoma em comum.

Sob a premissa de que Gêmeos Monozigóticos e Gêmeos Dizigóticos estão expostos de modo semelhante ao mesmo meio ambiente, toda correlação fenotípica observada entre Gêmeos Monozigóticos que for superior àquela presente entre Gêmeos Dizigóticos apontará para a participação de um componente genético na etiologia da doença (Neale e Cardon, 1992). 

Tabela 2 – Concordância de esquizofrenia em gêmeos mono e dizigóticos*
Estudo
Ano
Gêmeos monozigóticos
Gêmeos dizigóticos



NC
NT
Concordância %
NC
NT
Concordância %
Gottesman e Shields
1972
15
26
57,7
4
34
11,7
Fischer et al.
1973
14
23
60,8
12
43
09,3
Tienari
1975
7
21
33,3
6
42
14,3
Kendler et al.
1983
60
194
30,9
18
277
06,4
Onstad
1991
15
31
48,4
1
28
03,5
* Tabela copiada do livro “O Desafio da Esquizofrenia” de Itiro Shirakawa, Ana Cristina Chaves e Jair J. Mari
NC- pares de gêmeos onde os 2 são esquizofrênicos; NT- núm. total de pares estudados


Os estudos da agregação familiar, que pesquisa a incidência de esquizofrenia em gêmeos e o risco de esquizofrenia em adoção de filhos, permitiram estabelecer de modo consistente a participação de fatores genéticos na etiologia da esquizofrenia. Entretanto, esse tipo de estudo não permitiu, claramente, a caracterização e a identificação de quais fatores estariam de fato envolvidos.

Tais estudos apontaram sempre para uma concordância estatística sugestiva de contundente participação hereditária. Esses dados, além do interesse científico, também foram de grande interesse prático para o aconselhamento genético.

Mas, para melhor se entender como a esquizofrenia é transmitida de geração em geração, devemos tentar conhecer os mecanismos biológicos de sua herança. Vem daí a necessidade dos estudos da genética molecular.

Os estudos da genética molecular em relação à esquizofrenia objetivam identificar e localizar, no genoma humano, quais são especificamente os genes que tornam as pessoas suscetíveis à esquizofrenia. São os chamados estudos de mapeamento que se faz utilizando técnicas moleculares. Uns números consideráveis desses estudos têm sido conduzidos em esquizofrenia nas últimas décadas, mas as conclusões consistentes são ainda difíceis de formular.

Conclusões (provisórias)
Por um lado, parece não haver qualquer dúvida em relação à participação de um componente genético importante na causa da esquizofrenia. Por outro lado, entretanto, saber quantos e quais são os genes que atribuem de fato maior suscetibilidade a essa doença permanece questão ainda aberta.

O máximo que se pode acreditar das recentes pesquisas é que esses genes devem ser responsáveis por uma pequena porção da variabilidade genética total e que não apresentam mutações específicas presentes apenas em indivíduos afetados pela esquizofrenia, mas sim, podem aparecer como variantes comuns encontradas na população geral.

Isso tem impulsionado diversos autores a propor uma mudança na estratégia a ser utilizada em futuros estudos de mapeamento genético por associação. De modo semelhante aos estudos de ligação, estudos do tipo exploração do genoma, também podem ser realizados pela metodologia de associação.

Devido aos avanços advindos do projeto Genoma Humano, um grande número de marcadores têm sido continuamente identificados e em breve haverá marcadores caracterizados em todos os genes humanos. Além disso, o desenvolvimento de microchips para a genotipagem oferecerá, em breve, estudos de rastreamento com considerável poder na detecção de genes que contribuam à variância genética total da esquizofrenia.
 


FONTE: Ballone GJ - Genética da Esquizofrenia- in. PsiqWeb, Internet, disponível em http://www.psiqweb.med.br, atualizado em 2005



* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.

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